NOSSAS REDES SOCIAS

Política

Entenda o que são os ‘jabutis’ na política criados pelo processo legislativo

Publicado

em

São vistas como “contrabandos” justamente por incluírem pautas sem nenhum vínculo lógico ou temático com a proposta inicial e por levarem assuntos geralmente controversos, de forma escamoteada, à aprovação
Uma Medida Provisória (MP) em discussão no Congresso desde março de 2023, a MP 1.150/2022, jogou luz sobre os chamados contrabandos legislativos, mais conhecidos como “jabutis”. No jargão da política, ”jabutis” são emendas parlamentares que não têm nenhuma ligação direta com o texto original de uma MP.  São vistas como “contrabandos” justamente por incluírem pautas sem nenhum vínculo lógico ou temático com a proposta inicial e por levarem assuntos geralmente controversos, de forma escamoteada, à aprovação.
No caso da MP 1.150/2022 – editada nos últimos dias da gestão de Jair Bolsonaro (PL) –, um jabuti incluído na Câmara dos Deputados pode afrouxar as regras de proteção à Mata Atlântica. Originalmente, o texto do ex-presidente apenas alterava o prazo de adesão de imóveis rurais ao Programa de Regularização Ambiental (PRA).
Por ser uma medida provisória, contudo, o Congresso tem prazo para aprová-la antes de perder a validade — e é ao longo dessa tramitação acelerada que parlamentares podem fazer alterações no texto e, eventualmente, acabam inserindo os jabutis.
Com as novas emendas da MP 1.150, consideradas oportunistas e duramente criticadas por ambientalistas, foram inseridas mudanças na Lei da Mata Atlântica para permitir, entre outros pontos, o desmatamento de floresta primária ou secundária para desenvolvimento de negócios de “interesse social” (como linhas de transmissão de energia elétrica, por exemplo), sem necessidade de estudo prévio de impacto ambiental ou compensação de qualquer natureza. 
Na última segunda-feira (5), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vetou as emendas prejudiciais à Mata Atlântica incluídas como jabutis. O veto, no entanto, não é definitivo, uma vez que o Congresso Nacional ainda pode derrubá-lo.
A manobra dos parlamentares evidenciou uma prática que não é nova e foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2015. Para especialistas, esse instrumento enfraquece a transparência e a legitimidade democrática no processo legislativo. Entenda:

Manobra é usada para aprovação sorrateira de medidas controversas

O jargão tem origem em uma expressão popular: “Jabuti não sobe em árvore. Ou foi enchente, ou foi mão de gente”. A anedota é usada para situações provocadas pela interferência de alguém — uma vez que jabutis, répteis similares às tartarugas, são incapazes de subir sozinhos em uma árvore.

Segundo o cientista político Thiago Silame, professor da Universidade Federal de Alfenas e pesquisador do Centro de Estudos Legislativos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a expressão foi adotada na política especialmente a partir da Constituição de 1988.

Isso porque um dos institutos legislativos da Constituição (artigo 62) foi a Medida Provisória, norma com força de lei editada especificamente pelo presidente da República e apenas em situações de urgência e relevância. Essas medidas têm efeitos jurídicos imediatos e prazo curto de validade, por isso devem necessariamente passar, posteriormente, pela apreciação da Câmara e do Senado

“O fato de a MP ter sido disciplinada, e ter um prazo para ser aprovada relativamente curto, faz com que um projeto que a MP esteja tratando não seja visto de maneira tão cuidadosa por parte dos parlamentares”, analisa Silame.

“Muitas vezes, grupos [de parlamentares] aproveitam para inserir assuntos que são estranhos ao escopo original da medida e tentam contrabandear um artigo legislativo ‘alienígena’. Uma MP, portanto, pode estar sendo editada para um fim e dentro ter um jabuti que diz o contrário”, explica o cientista político. 

Exemplos históricos de “jabutis”

Embora seja uma prática corriqueira, apenas os jabutis mais escandalosos acabam se tornando públicos. Um exemplo de 2021 ganhou notoriedade: a MP 1.031, da privatização da Eletrobras, maior empresa de energia do país. Em cima do texto original foram incluídos contrabandos sem relação com a proposta inicial, como mudanças de regras do setor elétrico, do mercado de ações e do serviço público. O novo texto foi sancionado em julho daquele ano, com os principais jabutis mantidos.  
Em 2018, jabutis na MP 820/2018, que versava sobre a assistência emergencial a imigrantes, também ganharam notoriedade por ameaçarem direitos indígenas. Parlamentares incluíram um artigo que autorizava empreendimentos e licenciamentos ambientais em terras indígenas sem consulta prévia aos povos afetados. Após protestos, a emenda foi retirada.
Vale pontuar que, embora sejam mais comuns em medidas provisórias, os jabutis também podem ser incluídos em projetos de lei. O biólogo João de Deus Medeiros, presidente do Conselho Regional de Biologia de Santa Catarina, lembra do exemplo do PL 364/2019, ainda em tramitação, que prevê a legalização de desmatamentos antigos e permite novas derrubadas nos campos de altitude, vegetação típica em regiões montanhosas da Mata Atlântica.
“Esse PL pretende retirar da proteção da Lei da Mata Atlântica [Lei 11.428/2006] os campos de altitude apenas por ser ecossistema do bioma não caracterizado por floresta”, lamenta Medeiros. “Temos que acompanhar atentamente as discussões e os PLs no Congresso porque esse tipo de emenda jabuti passa de forma escamoteada.”

Poder Judiciário pode ser acionado

Em 2015, uma decisão do STF considerou a prática de contrabando legislativo, os “jabutis”, como inconstitucional. Pela decisão da Corte, o Congresso Nacional não pode incluir, em MPs editadas pelo Poder Executivo, emendas parlamentares que não tenham pertinência temática com o conteúdo original. A decisão, no entanto, não impediu que essa manobra seguisse em prática.
“Tanto a Câmara quanto o Senado já tentaram disciplinar essa questão. Além disso, os presidentes das duas Casas podem discricionariamente retirar os jabutis, caso percebam que os artigos são estranhos ao objetivo inicial”, observa o cientista político e professor Thiago Silame.

“Mas é uma prática corriqueira. É uma esperteza: parlamentares se aproveitam de uma legislação que tem que transitar em curso mais rápido e contam com essa falta de atenção”, afirma.

Se os presidentes das Casas legislativas não usarem o poder discricionário para barrar um jabuti, existem outros meios. “Aqueles que se sentem afetados pela decisão que está sendo contrabandeada podem acionar o Judiciário.

Nesse caso, a Justiça pode ser usada tanto para questionar a relevância e urgência do assunto colocado na MP, quanto para manifestar-se contra a constitucionalidade do que foi colocado”, avalia o pesquisador. 
Continue lendo

MAIS LIDAS