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Crescimento da direita radical e derrota dos socialistas: 10 pontos para entender eleições em Portugal
As eleições realizadas no domingo (10/3) marcam uma guinada à direita de Portugal, com a vitória da Aliança Democrática (AD), coalizão entre o Partido Social Democrata (PSD) e o Centro Democrático Social (CDS).
No entanto, a vitória da AD ficou muito abaixo das expectativas e as contas para a formação do governo de Portugal são complicadas. A maioria folgada só poderá acontecer se a AD fizer uma coalizão com o Chega, partido da direita radical, que conseguiu mais de um milhão de votos e 48 deputados no Parlamento.
O cenário deixado pelas urnas é complicado e os próximos meses serão essenciais para saber se há espaço para a criação de um governo estável, ou se o país terá de realizar novas eleições antecipadas.
Confira abaixo alguns pontos essenciais para entender os resultados de domingo e o que acontece agora.
1. Vitória da Aliança Democrática
Com menos de 1% de diferença e dois deputados, a coalizão AD conseguiu bater o Partido socialista (PS) e ganhar as eleições de Portugal, com 79 deputados. A disputa foi mais apertada do que indicavam as pesquisas, mas a sigla de centro-direita conseguiu garantir a vitória. Luís Montenegro, líder da coalizão, tinha pedido aos portugueses uma maioria que lhe permitisse governar sozinho, mas o resultado apertado obriga o líder do centro-direita a negociar. Os liberais do Iniciativa Liberal não são suficientes para a AD.
Ao que tudo indica, só restaria a eles uma coalizão com o Chega — perspectiva que Montenegro negou durante toda a campanha e voltou a frisar após os resultados.
“Eu assumi um compromisso e vou mantê-lo”, garantiu, em referencia à sua posição sobre o Chega. “A minha expectativa é que estejamos todos à altura dos interesses do país”, disse, para depois colocar a responsabilidade no PS: “O que se pede ao Partido Socialista é que respeite a vontade do povo português e por isso a minha expectativa é que o Partido Socialista e o Chega não sejam uma aliança negativa para impedir aquilo que os portugueses decidiram”.
2. Partido Socialista na oposição
Depois de quase nove anos como líder de governo (numa coalizão de esquerda, primeiro, e com uma maioria absoluta depois), o PS perdeu as eleições e passou para a oposição. Os socialistas, que nas eleições de 2022 tinham conseguido 41,3% e 120 deputados, ficam agora com 28,7% e 77 assentos no Parlamento.
Apesar das palavras de Luís Montenegro, o líder do PS, Pedro Nuno Santos foi claro: “O PS será oposição e não cede a pressões”, disse, garantindo que não vai ser a chave para viabilizar um governo da AD. “Não é a nós que têm de pedir para suportar um governo. Não contem com o PS para governar, não somos nós que vamos suportar um governo da AD”, insistiu.
“O PS não ganhou as eleições, vai liderar a oposição. Nunca deixará a liderança da oposição para o Chega, ou para o André Ventura (o líder do Chega)”, garantiu.
3. O crescimento da direita radical
O partido de direita radical Chega foi o grande vencedor da noite, com mais de um milhão de votos conquistados. As sondagens davam ao partido da direita radical entre 16% e 20% e no final acabou por conquistar 18,1%. Trata-se mais do dobro da percentagem conseguida nas eleições de 2021, onde conseguiu 7,2% e quatro vezes mais deputados: de 12 passará a ocupar 48 cadeiras no Parlamento português. Consolida-se assim como a terceira força política, o suficiente para tentar condicionar a formação do próprio governo.
No final da noite, o líder do Chega André Ventura fez diversas críticas: a empresas de pesquisas, meios de comunicação e até ao Presidente da República.
“Esta vitória tem de ser ouvida em muitos locais do país. Tem de ser ouvida no palácio de Belém (residência da Presidência) onde um Presidente da República tentou condicionar à última hora o voto dos portugueses”, disse. “Mas este bom povo português sabia o que queria e que não se deixaria condicionar, e quem escolhe o governo de Portugal são os portugueses e mais ninguém”.
Ventura disse que o Chega “foi o partido mais perseguido em toda a história”. E criticou: “Espero que muitos jornalistas e comentadores engulam algumas palavras que disseram desde há alguns anos”.
A terceiro crítica foi a empresas de pesquisas: “Então o Chega perdeu gás na última semana? A AD e a IL podiam formar maioria?”, perguntou com ironia. “Espero que alguns diretores de empresas de sondagens se demitam hoje”, concluiu.
4. Coalizão entre AD e Chega?
Durante a campanha, Luís Montenegro, líder da AD, foi taxativo ao dizer que não seria pela sua mão que a direita radical chegaria ao governo português. “Não é não”, repetiu várias vezes face a uma hipotética coalizão com o Chega, insistindo que o partido da direita radical não tem “maturidade” nem “responsabilidade” para governar.
Mas, com os resultados deste domingo, excluir o Chega da coalizão pode significar não conseguir formar governo e as pressões podem surgir até mesmo dentro do próprio partido, no qual algumas figuras, como o ex-primeiro ministro, Pedro Passos Coelho, não descartaram essa possibilidade.
Esta noite, o discurso de André Ventura foi claro: “Seremos totalmente irresponsáveis se não concretizarmos um governo”, disse, pressionando Luís Montenegro. “Temos uma maioria para construir, um orçamento para aprovar e isso só pode ser feito com o apoio do Chega”.
Luís Montenegro voltou a prometer que o Chega não vai entrar no governo: “Eu assumi um compromisso e vou mantê-lo” – mas, de ser assim, as contas ficam muito complicadas.
5. O legado de António Costa
Não se podem analisar estas eleições sem falar de António Costa, o primeiro-ministro socialista que esteve à frente do país durante quase uma década. Ele foi o artífice da “geringonça”, como ficou conhecida a coligação de esquerda – a primeira no país – que governou Portugal até 2022 e depois conseguiu uma maioria absoluta.
Mas a coalizão terminou de forma abrupta em novembro passado, quando Costa se demitiu depois de uma investigação judicial por suposta corrupção, que afetou ministros do Governo.
Se a maioria absoluta conseguida em 2022 simbolizava a aprovação dos portugueses aos governos de esquerda liderados por António Costa, o resultado destas eleições reflete o descontentamento do país com os últimos anos de liderança do PS. A derrota dos socialistas é um castigo ao legado de António Costa que nos últimos meses teve que resolver vários escândalos dentro do governo – o último dos quais acabou na sua demissão.
Apesar dos bons resultados macroeconômicos, com a economia crescendo 2,3%, Portugal vive uma crise na , os salários continuam muito baixos e o Serviço Nacional de Saúde tem muitos problemas — com mais de 1,7 milhões de portuguese sem médico de família.
“Sobre este resultado, se é preciso algum responsável, estou cá eu para assumir a responsabilidade”, disse António Costa ao início da noite. “Quando se convocaram as eleições, eu disse que nenhum secretário geral que entrasse no PS naquelas condições tinha obrigação de ganhar as eleições.”
6. Maior participação nos últimos 20 anos
As eleições marcaram o maior comparecimento às urnas em vinte anos. No domingo, a abstenção ficou em 33,8%. Nas eleições de 2022, a abstenção tinha sido de 48,5% e, nas anteriores, em 2019, a taxa de abstenção tinha sido a mais alta já registrada, rondando os 51,4%.
A elevada participação explica também os erros nas pesquisas, sobretudo no que diz respeito ao Chega, partido que se beneficiou mais com o aumento do comparecimento às urnas.
7. O voto por correio
Há ainda quatro vagas de deputados em jogo — as vagas que cabem aos portugueses no exterior que votam, na sua maioria, por correio. Esses votos devem ser contabilizados nas próximas duas semanas. No entanto, tendo em conta a diferença entre os dois principais partidos, esses votos não devem ter peso suficiente para mudar o resultado das eleições.
8. O papel do Presidente da República
Agora é a vez do presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, responsável por indicar qual dos candidatos deve formar governo. O presidente vai ouvir todos os partidos e, até sexta-feira (15/3), terá de indicar um dos candidatos. Com toda a probabilidade, o candidato escolhido será Luís Montenegro, o vencedor das eleições, uma vez que além de ter vencido as eleições, não há uma maioria alternativa viável à esquerda.
O próprio líder do PS excluiu esta possibilidade: “Qualquer solução dessas teria um chumbo de toda a direita”, comentou o líder socialista. “Não nos compliquemos. Nós não temos uma maioria”, frisou.
Já Montenegro, afirmou esperar o convite do presidente da República. “Face à vitória eleitoral, é minha expectativa fundada que o senhor Presidente da República me possa indigitar [indicar] para primeiro-ministro. Na expectativa de que tal vai acontecer, o meu compromisso é cumprir a mudança. Vai-se cumprir com um novo primeiro-ministro, com novo governo e com novas políticas”.
9. Governabilidade
Os resultados e as posições dos diversos partidos deixam muitas dúvidas sobre a governabilidade e a estabilidade de Portugal.
A única maioria possível no Parlamento teria de incluir o partido da direita radical, Chega. Se Luís Montenegro mantiver a promessa que fez durante a campanha e voltou a repetir na noite eleitoral, não há qualquer maioria possível no parlamento.
Nesse cenário, a única hipótese é a AD tentar governar em minoria, negociando cada medida com os vários partidos. No domingo, Montenegro pressionou o PS para facilitar a governabilidade do país.
“Para termos governabilidade e estabilidade, há que apelar ao sentido de responsabilidade de todos quantos se vão sentar na Assembleia da República. A todos é exigido que dêem ao país condições de governabilidade. Não me eximo do [papel] principal, mas exijo aos outros que cumpram a palavra do povo português”, disse.
No entanto, do outro lado, Pedro Nuno Santos foi claro: “Não contem com o PS para governar”.
10. Novas eleições?
Neste estado de coisas, não é possível excluir um cenário de nova eleição. De acordo com o sistema político português, depois de ser indicado pelo presidente da República, Montenegro deverá formar a sua equipe que provavelmente tomará posse em abril. Depois será apresentado o programa de governo, que não precisa de ser aprovado na Assembleia da República, e, em outubro, terá de ser apresentado um novo orçamento de Estado.
Esta é a data chave. Em 2021, Marcelo Rebelo de Sousa dissolveu a Assembleia da República e convocou eleições antecipadas. Se a AD não tiver maioria parlamentar para aprovar as contas e Marcelo Rebelo de Sousa mantiver o mesmo critério, o governo poderia cair e o país voltar a ter eleições antecipadas.
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